Clarice Lispector: vida, obra e frases
Clarice Lispector foi uma das mais destacadas escritoras da terceira fase do modernismo brasileiro, chamada de "Geração de 45".
Recebeu diversos prêmios, dentre eles o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal e o Prêmio Graça Aranha.
Biografia de Clarice Lispector
Haya Pinkhasovna Lispector nasceu no dia 10 de dezembro de 1920 na cidade ucraniana de Tchetchelnik.
Descendente de judeus, seus pais, Pinkhas Lispector e Mania Krimgold Lispector, passaram os primeiros momentos de vida de Clarice fugindo da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa (1918-1920).
Diante disso, chegam ao Brasil em 1921 e vivem nas cidades de Maceió, Recife e Rio de Janeiro, onde passaram algumas dificuldades financeiras.
Aos 10 anos, escreve uma peça de teatro, depois de assistir a uma, e começa a enviar contos para o Diário de Pernambuco.
Após a morte de sua mãe em 1930, Clarice termina o terceiro ano primário no Collegio Hebreo-Idisch-Brasileiro.
Mais tarde, sua família vai viver no Rio de Janeiro. Em 1939, com 19 anos, ingressa na Escola de Direito da Universidade do Brasil e começa a dedicar-se totalmente à sua grande paixão: a literatura.
Fez cursos de antropologia e psicologia e, em 1940, publica seu primeiro conto, intitulado “Triunfo”.
Após a morte de seu pai, em 1940, Clarice começa sua carreira de jornalista. Nos anos seguintes, trabalha como redatora e repórter na Agência Nacional, no Correio da Manhã e no Diário da Noite.
Em 1943, casa-se com o Diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois filhos. Seu primogênito, Pedro, foi diagnosticado com esquizofrenia. Seu segundo filho, Paulo, foi afilhado do escritor Érico Veríssimo.
Devido à profissão de seu marido, Clarice viveu em muitos países, desde Itália, Inglaterra, Suíça e Estados Unidos. O relacionamento durou até 1959 e, quando resolveram se separar, Clarice retornou ao Rio com seus filhos.
A escritora foi naturalizada brasileira e se declarava pernambucana. Seu nome, Clarice, foi uma das formas que seu pai encontrou de esconder toda sua família quando chegaram ao Brasil.
De personalidade singular e forte, Clarice pouco se importava com as críticas e, segundo ela:
“Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...”.
Curiosidades sobre Clarice Lispector
Clarice se apaixonou por quem viria a ser seu grande amigo confidente, o escritor Lúcio Cardoso (1912-1968), contudo, não ficaram juntos porque Lúcio era homossexual.
Um episódio marcante de sua vida foi o incêndio que ocorreu em sua casa, em 1966, provocado por um cigarro. Como consequência, ficou hospitalizada durante meses e quase teve de amputar sua mão.
Principais obras de Clarice Lispector
Conhecida como uma das melhores escritoras brasileiras, Clarice escreveu romances, contos, crônicas, literatura infantil.
Algumas de suas obras:
- Perto do coração selvagem (1943)
- O Lustre (1946)
- A Cidade Sitiada (1948)
- Laços de Família (1960)
- A Maçã no Escuro (1961)
- A Legião Estrangeira (1964)
- A Paixão Segundo G. H (1964)
- O Mistério do Coelho Pensante (1967)
- A Mulher que Matou os Peixes (1968)
- Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969)
- Felicidade Clandestina (1971)
- Água Viva (1973)
- A Via Crucis do Corpo (1974)
- A Vida Íntima de Laura (1974)
- Onde Estivestes de Noite (1974)
- A Hora da Estrela (1977)
- Para não Esquecer (1978)
- Quase de Verdade (1978)
- Um Sopro de Vida (1978)
- A Bela e a Fera (1979)
- A Descoberta do Mundo (1984)
- Como Nasceram as Estrelas (1987)
Frases de Clarice Lispector
- “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
- “Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio.”
- “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
- “Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo como profunda forma de te atingir. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado.”
- “O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo que me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado.”
- “Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”
Poemas de Clarice Lispector
Muito se discute sobre se Clarice Lispector escreveu ou não poemas. Benjamin Moser, que fez a biografia e conhece bem o trabalho de Clarice, recuperou dois poemas de sua autoria, A mágoa e Descobri o meu país.
A mágoa, Clarice Lispector
Os telhados sujos a sobrevoar
Arrastas no vôo a asa partida
Acima da igreja as ondas do sino
Te rejeitam ofegante na areia
O abraço não podes mais suportar
Amor estreita asa doente
Sais gritando pelos ares em horror
Sangue escoa pelos chaminés.
Foge foge para o espanto da solidão
Pousa na rocha
Estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou,
Tua asa mais inocente foi atingida
Mas a Cidade te fascina.
Insiste lúgubre em brancura
Carregando o que se tornou mais precioso.
Voas sobre os tetos em ronda de urubu
Asa pesa pálida na noite descida
Em pálido pavor
Sobrevoas persistente a Cidade Fortificada escurecida
Capela ponte cemitério loja fechada
Parque morto floresta adormecida,
Folha de jornal voa em rua esquecida.
Que silêncio na torre quadrada.
Espreitas a fortaleza inalcançada.
Não desças
Não finjas que não dói mais
Inútil negar asa partida.
Arcanjo abatido, não tens onde pousar.
Foge, assombro, inda é tempo,
Desdobra em esforço a sua medida
Mergulha tua asa no ar.
Descobri o meu país, Clarice Lispector
Subi a montanha
e no seu topo os anjos me cercaram
e me engrinaldaram a fronte
com as flores do céu.
Asas zumbiam
em harmonias fragílimas
e vozes de arcanjos louvavam a paz.
Derramaram sobre meu corpo
sete bálsamos purificadores
e fizeram-me beber
ambrosia e mel.
Banharam-me no rio da música
e eu saí ingênua
como o canto de uma criança.
E depois surgiram novos anjos
e não havia noite
e não havia dia.
E a ambrosia e o néctar
deslizavam com fartura celestial.
E novas canções se entoaram
sempre em louvor a Deus.
E não havia noite
e não havia dia.
E aos poucos cresceu dentro de mim
o desespero
e eu busquei em vão os olhos celestiais.
Eles nada diziam
e cantavam a paz.
E aos poucos uma nostalgia
me enlanguesceu
e eu era o arco distendido
sem a flecha
e eu buscava o ar
sem respirar.
Um anjo me interrogou: mais néctar?
Eu gritei: quero cheiro da terra!
E o anjo me perdoou
E eu cansei de ser perdoada,
eu queria sofrer.
E não havia noite e não havia...
Quebrei minhas asas,
desci a montanha
e vivi na Terra!
Homens amavam
e cansavam do amor.
Homens bebiam sangue
e descobriam
que não desejavam brigar
Entoavam-se cânticos místicos
onde só havia a insatisfação.
E depois homens morriam
e todos sabiam que era o fim.
Nem a terra,
nem o céu!
Fechei-me num quarto,
inventei outro Deus,
outro céu, outra terra
e outros homens.
Entrevista com Clarice Lispector
Confira a última entrevista de Clarice Lispector realizada pelo jornalista Júlio Lerner. O vídeo foi veiculado no programa “Panorama”, da TV Cultura, dia 1 de fevereiro de 1977, ano da morte da escritora.
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Referências Bibliográficas
MOSER, Benjamin. A Newly Discovered Poem By Clarice Lispector, in Revista de Literatura Brasileira, nº 36 / Ano 20 / 2007.
DIANA, Daniela. Clarice Lispector: vida, obra e frases. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/vida-e-obra-de-clarice-lispector/. Acesso em: