Vanguardas europeias na literatura
No início do século XX, em meio a profundas transformações sociais, políticas e tecnológicas, surgiram as chamadas vanguardas artísticas europeias. As vanguardas foram movimentos de renovação que buscavam romper com os padrões tradicionais da arte e propor novas formas de expressão.
Essas correntes, nascidas principalmente entre 1905 e 1930, tiveram grande impacto não só nas artes plásticas, mas também na literatura, abrindo caminho para o modernismo.
Embora as características de Vanguarda sejam mais visíveis dentro das artes plásticas, é possível trabalhar seus aspectos e conceitos dentro da Literatura. Assim, um estudo mais detalhado é possível, quase sempre, buscando estabelecer conexões entre as diferentes formas de arte.
Neste conteúdo você vai encontrar:
Futurismo
O Futurismo, inaugurado pelo italiano Filippo Tommaso Marinetti em 1909, exaltava a velocidade, as máquinas e a modernidade, rejeitando o passado. Na literatura, essa estética se traduzia em frases rápidas, ritmo acelerado e verbos no infinitivo, como se o texto acompanhasse a energia das cidades industriais.
Essa influência pode ser percebida também em Portugal, nos poemas de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.
Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega de uma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
O masoquismo através de maquinismos!
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Ó tranways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo.
CAMPOS, Álvaro. Ode triunfal.
Analisar o futurismo na literatura compreende observar a velocidade dos registros das imagens poéticas, a multiplicidade de percepções, a relação homem-máquina e os processos contínuos de figuras de linguagem.
Expressionismo
Nascido na Alemanha, voltou-se para o interior do ser humano, valorizando a expressão subjetiva e emocional. Sua literatura, muitas vezes angustiante e fragmentada, refletia temas como alienação e crise existencial. Um dos exemplos mais marcantes é Franz Kafka, cuja obra A Metamorfose transmite a sensação de estranhamento e opressão típicas dessa estética.
Frequentemente passava noites inteiras deitado ali, sem dormir um instante, apenas arranhando o couro durante horas. Ou então não fugia ao grande esforço de empurrar uma cadeira até a janela, para depois rastejar rumo ao peitoril e, escorado na cadeira, inclinar-se sobre a janela — evidentemente em nome de alguma lembrança do sentimento de liberdade que outrora lhe dava olhar pela janela. Pois efetivamente ele enxergava dia a dia com menos acuidade as coisas mesmo pouco distantes; o hospital defronte, cuja visão frequente demais ele antes amaldiçoava, já não estava mais ao alcance da sua vista; e se ele não soubesse exatamente que morava na calma — embora inteiramente urbana — rua Charlotte, poderia acreditar que da sua janela estava olhando para um deserto, no qual o céu cinzento e a terra cinzenta se uniam sem se distinguirem um do outro. A atenta irmã precisou ver só duas vezes que a cadeira estava junto à janela para, assim que arrumava o quarto, empurrá-la de novo precisamente para o mesmo lugar, daí por diante deixou aberta até a folha interna da janela.
[...]
KAFKA, Franz. A metamorfose.
No expressionismo, é crucial detectar a relação entre o ambiente e os eventos narrativos e os personagens. Isso porque pequenos detalhes podem se desdobrar em um mar de impressões e sensações por parte das personagens.
No referido livro de Kafka, por exemplo, vemos como a personagem, na sua insônia, tem a rua transmutada em um deserto. Essas sensações acontecem num movimento que expõe o mundo interno da personagem em relação ao espaço. Na história, afinal, Gregor Samsa é um homem que se transformou em um inseto.
Destacam-se, assim, as escolhas lexicais e as metáforas na composição do texto expressionista.
Cubismo
O cubismo nasceu na pintura com Picasso e Braque, mas encontrou expressão literária sobretudo em Guillaume Apollinaire. Ele buscava fragmentar e reorganizar a realidade em múltiplas perspectivas, criando textos que rejeitavam a linearidade tradicional.
Em Caligramas (1918), Apollinaire vai além, elaborando poemas visuais, nos quais a disposição gráfica das palavras forma imagens. Essas técnicas precedem o que ficaria conhecido como concretismo nos anos 1950.

Disponível em: https://www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/apollinaire.html. Acesso em: set. 2025.
Além disso, poemas e narrativas fragmentárias relacionam-se com o cubismo, na medida que transpõem para a literatura a técnica dos cortes. Essas técnicas foram bastante utilizadas no modernismo brasileiro e também nas literaturas marginais na segunda metade do século XX.
Cidade
Foguetes pipocam o céu quando em quando
Há uma moça magra que entrou no cinema
Vestida pela última fita
Conversas no jardim onde crescem bancos
Sapos
Olha
A iluminação é de hulha branca
Mamães estão chamando
A orquestra rabecoa na mata
ANDRADE, Oswald. A cidade.
Quebras inesperadas e sobreposições de imagens poéticas merecem muita atenção ao falarmos de cubismo literário.
Surrealismo
O surrealismo surgiu na França, e foi formalizado por André Breton em 1924. Inspirado na psicanálise de Freud, o movimento buscava explorar o inconsciente, os sonhos e a imaginação sem as amarras da razão. Escritores surrealistas como Paul Éluard e Louis Aragon usavam associações livres e imagens insólitas, resultando em textos poéticos que revelavam uma realidade mais profunda e oculta.
Já na literatura brasileira, durante o século XX, escritores como Graciliano Ramos e Clarice Lispector trabalharam a psicologia de seus personagens como motores para construções narrativas. Esse tipo de percepção encaminhou não só para uma construção poética da linguagem, mas também para técnicas como o fluxo de consciência.
Oh Deus, eu me sentia batizada pelo mundo. Eu botara na boca a matéria de uma barata, e enfim realizara o ato ínfimo.
Não o ato máximo, como antes eu pensara, não o heroísmo e a santidade. Mas enfim o ato ínfimo que sempre me havia faltado. Eu sempre fora incapaz do ato ínfimo. E com o ato ínfimo, eu me havia deseroizado. Eu, que havia vivido do meio do caminho, dera enfim o primeiro passo de seu começo.
Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, eu era. Até o fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois “eu” é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo. Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior - é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido. Da organização geral que era maior que eu, eu só havia até então percebido os fragmentos. Mas agora, eu era muito menos que humana - e só realizaria o meu destino especificamente humano se me entregasse, como estava me entregando, ao que já não era eu, ao que já é inumano.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H.
Dadaísmo
O dadaísmo surge como um movimento de protesto contra a lógica e os valores que haviam levado à barbárie. Na literatura, os dadaístas, como Tristan Tzara, exploraram o absurdo, o acaso e o nonsense, criando poemas anárquicos e colagens verbais que desafiavam o próprio conceito de literatura.
Receita de um poema dadaísta:
Pegue um jornal.
Pegue uma tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.
TZARA, Tristan. Receita de um poema dadaísta.
Nesse sentido, é crucial notar que desordem e até certa incoerência manifestam-se como características literárias do dadaísmo. Além disso, a temática do questionamento sobre a própria arte e a função dela no mundo podem se enquadrar como elementos do “dadá” na obra literária.
Por isso, vale ficar de olho nos aspectos metalinguísticos do texto, bem como na irreverência dos artistas.
Teste seus conhecimentos com exercícios sobre as vanguardas europeias na literatura (com gabarito)
Para entender as vanguardas europeias nas artes plásticas, leia Vanguardas Europeias: resumo e características.
Referências Bibliográficas
BURGER, Peter. Teoria da vanguarda. São Paulo: Editora UBU, 2017.
LUIS, Rodrigo. Vanguardas europeias na literatura. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/vanguardas-europeias-na-literatura/. Acesso em: