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Romanceiro da inconfidência: análise completa para entender a obra

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Português e Literatura

Romanceiro da Inconfidência é a principal obra da escritora modernista Cecília Meireles. Publicada em 1953, nela, estão condensados os principais elementos de sua poética. Ao contrário do que a palavra "romanceiro" possa sugerir, trata-se de uma narrativa em versos rimados, construída sobretudo em redondilhas, que mesclam o tom épico ao lírico para prestar uma homenagem aos heróis sacrificados em nome da liberdade.

Essa obra marca a primeira incursão da autora em uma temática de cunho social, ao abordar a luta pela independência durante o século XVIII no Brasil. Nesse movimento, Cecília se alinha a outros escritores de sua época ao propor uma releitura crítica do projeto de literatura nacional inaugurado pelo Romantismo.

Nos poemas que compõem a coletânea, Cecília Meireles oferece um olhar mais íntimo e sensível sobre os protagonistas da Inconfidência Mineira, revelando suas fragilidades, ideais e conflitos internos. Diferentemente de uma narrativa puramente histórica, a autora humaniza os inconfidentes, aproximando-os do leitor por meio da emoção e da reflexão.

A linguagem empregada em Romanceiro da Inconfidência é mais direta e acessível em comparação com outras obras da escritora, sem perder a densidade poética que caracteriza sua produção. Essa escolha estilística reforça o propósito da autora de tornar a história nacional mais envolvente.

Neste conteúdo você encontra:

Contexto e resumo da história

Cecília Meireles reconta, após fazer grande pesquisa histórica, os eventos da Inconfidência Mineira. Um movimento datado de 1789 que, inspirado nos ideais iluministas vindos da Europa e na independência dos Estados Unidos, organizou-se pela independência do Brasil.

Um dos principais fatores que geraram a revolta dos colonos foram os impostos cobrados por Portugal pela extração do ouro de Minas Gerais. A partir disso, donos de minas, profissionais liberais e poetas se organizaram contra a colonização portuguesa, em um dos primeiros e mais importantes atos de rebelião contra a coroa portuguesa em terras brasileiras.

Essa rebelião, no entanto, tornou-se notável, também, pela resposta violenta que recebeu das autoridades coloniais, que reprimiram o grupo e tornaram Tiradentes um mártir da luta pela independência do Brasil.

Estrutura da obra

A obra é estruturada em 85 romances (porções narrativas), intercalados com cenários (descrições dos espaços físicos no qual a ação a se passa) e falas (quando a autora dá voz diretamente aos personagens).

Métrica

A autora escreve principalmente em redondilhas menores (versos com cinco sílabas poéticas) e redondilhas maiores (versos com sete sílabas poéticas). Contudo, a autora não se restringe apenas a essas métricas, e faz o uso também de outras formas ao longo da obra, como versos de quatro sílabas.

As redondilhas são significativas, porque elas estão intimamente associadas a formas populares de poesia: as cantigas. Além, disso, elas são uma forma extremamente comum na história da poesia de língua portuguesa.

A autora, ainda, utiliza-se tanto de rimas perfeitas (quando as terminações das palavras tem sons vocálicos e consonantais idênticos) e rimas imperfeitas (quando as terminações tem alguma proximidade, mas não são idênticas).

Exemplo de redondilha maior e rimas imperfeitas:

Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trai um alferes
.”

Exemplo de redondilha menor e rima perfeita:

Penosa a jornada,
mas o sono, leve:
qualquer sopro acorda

[...]”

Personagens

A obra retrata figuras reais como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Tiradentes. Também estão presentes personagens femininas como Chica da Silva, Bárbara Heliodora e Marília de Dirceu.

"- Conde, por que estais tão triste?
Confessai-me a vossa pena.
(Assim fala João Fernandes,
dono da terra opulenta.)
Aqui tendes meu palácio,
os vinhos da minha mesa,
os meus espelhos dourados,
cama coberta de seda,
o aroma da minha quinta,
a minha capela acesa,
e, fora a Chica da Silva,
minhas mulatas e negras."

Espaço

O cenário da obra é Ouro Preto (antiga Vila Rica), onde ocorreu o movimento. O espaço é simbólico e valoriza as ações dos personagens, com foco em Minas Gerais como centro político e econômico da época.

Fala à antiga Vila Rica

Como estes rostos
dos chafarizes,
foram cobertos
os vossos olhos
de véus de limo,
de musgo e líquens,
paralisados
no frio tempo,
fora das sombras
que o sol regula.

[...]

Tempo

Os poemas se passam no século XVIII, durante o ciclo do ouro, desde o início das conspirações até a morte dos inconfidentes.

Temas Centrais

Liberdade e opressão: luta contra a dominação portuguesa (Inconfidência Mineira)

Heroísmo e martírio: exaltação de Tiradentes.

Traição e ambição: denúncia feita por Joaquim Silvério.

Amor e saudade: afetos interrompidos pela tragédia (como Marília e Gonzaga).

Mulher e resistência: Bárbara Heliodora aparece como símbolo de força.

Tempo e memória: reconstrução simbólica do passado.

Religiosidade e misticismo: uso de símbolos cristãos.

Linguagem: linguagem que oferta contornos épicos à estrutura da cantiga popular.

O que é o romanceiro

O romanceiro é uma forma poética tradicional da Península Ibérica medieval, composta por poemas populares curtos, rimados e com forte musicalidade. Transmitidos oralmente, esses textos combinam elementos líricos e épicos, narrando temas coletivos como amor, guerra e honra. Por serem cantados, possuem ritmo marcante e repetição, facilitando sua memorização. Diferente do romance em prosa, o romanceiro preserva a memória cultural por meio da poesia narrativa.

Assim, é importante não confundir a ideia de romanceiro com a ideia de romance. A obra de Cecília é comumente adotada por exames de vestibular, que a selecionam em função de suas características épico-líricas e de sua pertinência histórica.

Sobre a autora

Cecília Meireles (1901-1964) foi uma escritora nascida no Rio de Janeiro. Sua produção foi majoritariamente de poesia, mas ela também escreveu contos, crônicas, literatura infantil etc. A inspiração para o Romanceiro da Inconfidência surgiu quando ela fez uma viagem para Ouro Preto, Minas Gerais, ligando o contexto histórico da Inconfidência, a luta pela liberdade, com os temas filosóficos e literários comuns à obra da autora. A poesia da autora tem como temas centrais a efemeridade da vida, a natureza, o tempo e o amor.

Assim, ela é comumente estudada como uma autora pertencente a segunda etapa do modernismo: com uma poesia engajada e social.

Para saber mais sobre os temas, veja:

Referências Bibliográficas

MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência, Editora Global, São Paulo, 2015.

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Língua Portuguesa e Literatura formado pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando na área de Pedagogia (FE-USP). Atua, desde 2017, dentro da sala de aula e na produção de materiais didáticos.