Patrimônio histórico: um olhar sociológico sobre memória e identidade
O patrimônio histórico não se limita à preservação de prédios antigos, monumentos ou festas populares. Do ponto de vista da Sociologia, ele é um fenômeno social que expressa memória coletiva, identidade cultural e relações de poder.
Ao tombar um edifício ou registrar uma manifestação como patrimônio, por exemplo, a sociedade não só protege um bem material ou imaterial, mas também define o que deseja preservar como parte da sua história.
No ENEM, o tema do patrimônio histórico aparece frequentemente em questões que pedem ao estudante para refletir sobre cultura, identidade e diversidade, relacionando passado e presente. Entender esse conceito de forma sociológica ajuda a desenvolver uma leitura crítica da sociedade e a responder às questões de maneira fundamentada.
Um exemplo clássico é o Centro Histórico de Ouro Preto (MG), tombado como Patrimônio Mundial pela UNESCO. Suas igrejas barrocas, casarões coloniais e ruas de pedra preservam a memória de um período marcado pela exploração mineral e pelo trabalho escravizado.
Esse patrimônio revela, ao mesmo tempo, o brilho da arte barroca e as profundas desigualdades sociais da época. Assim, o patrimônio também permite refletir sobre como a memória de uma sociedade está sempre ligada às suas tensões sociais.
Neste conteúdo você encontra:
- O que é patrimônio histórico
- Patrimônio e memória coletiva
- Patrimônio, identidade e diversidade cultural
- Quem escolhe o que é patrimônio
- Patrimônio e modernidade
- Educação patrimonial
- Patrimônio histórico no ENEM
- Conclusão
O que é patrimônio histórico
O patrimônio histórico é um conjunto de bens culturais reconhecidos como significativos para uma comunidade ou para a humanidade. Ele pode ser de dois tipos:
- Material: construções, monumentos, documentos, obras de arte, sítios arqueológicos.
- Imaterial: saberes, danças, músicas, festas, culinária, tradições populares.
A noção de patrimônio histórico, portanto, ultrapassa a ideia de algo estático ou apenas do passado. É um processo vivo, que envolve escolhas sociais sobre o que merece ser lembrado e valorizado. Além disso, segundo Tomazi, é fundamental pensar o patrimônio dentro da ideia de culturas no plural, reconhecendo que a diversidade cultural é parte essencial da identidade social.
Patrimônio e memória coletiva
O sociólogo Émile Durkheim destacou que a vida social se organiza por meio de representações coletivas, isto é, de símbolos e valores compartilhados que dão coesão à sociedade. O patrimônio histórico funciona como uma dessas representações, pois ajuda a consolidar uma memória coletiva.
Quando uma cidade preserva um centro histórico ou mantém viva uma festa popular, ela está transmitindo às novas gerações os valores que considera importantes. Isso gera sentimento de pertencimento, reforça laços sociais e garante continuidade cultural.
Um bom exemplo é o Círio de Nazaré, realizado anualmente em Belém (PA). Trata-se de uma das maiores manifestações religiosas do mundo, reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro. Mais do que um evento religioso, o Círio fortalece laços comunitários, mobiliza a cidade inteira e reafirma a identidade cultural da região amazônica.
Do ponto de vista sociológico, ele mostra como a memória e a religião se tornam elementos de coesão social. Ao mesmo tempo, diferentes grupos podem se apropriar do patrimônio de maneiras distintas, o que reforça a ideia de identidades sociais em disputa.
Patrimônio, identidade e diversidade cultural
O patrimônio histórico também se relaciona com a construção da identidade cultural. Ele permite que grupos sociais reconheçam sua história e se diferenciem de outros. Nesse sentido, o patrimônio é plural: pode valorizar tanto grandes marcos nacionais quanto tradições locais de comunidades específicas.
A Sociologia ressalta que a diversidade cultural é um elemento central das sociedades contemporâneas. Ao preservar manifestações culturais diversas (indígenas, afro-brasileiras, populares), o patrimônio histórico contribui para uma identidade nacional mais inclusiva.
Dois exemplos importantes são o Samba de Roda da Bahia e a Roda de Capoeira, ambos reconhecidos como patrimônio imaterial. Originados em comunidades negras escravizadas, essas práticas foram, por muito tempo, marginalizadas. Hoje, são valorizadas como símbolos da cultura nacional e demonstram a força da herança africana na identidade brasileira.
Elas mostram como manifestações culturais populares podem resistir à opressão, ganhar novos significados e se transformar em instrumentos de reconhecimento social. Esse reconhecimento, como lembra Tomazi, também está ligado a movimentos sociais e lutas por cidadania, em especial contra o racismo e pela valorização da diversidade cultural.
Quem escolhe o que é patrimônio
O patrimônio histórico não é neutro. Muitas vezes, a escolha sobre o que preservar é atravessada por relações de poder. Durante muito tempo, apenas construções ligadas às elites políticas e econômicas eram tombadas.
O Museu do Ipiranga, em São Paulo, é um bom exemplo. Construído para celebrar a Independência, ele reforça uma narrativa oficial da história brasileira centrada em grandes heróis e feitos políticos. Ao mesmo tempo, pouco espaço foi dado, por muitos anos, à participação popular, indígena ou negra nesse processo histórico.
Hoje, esta abordagem vem sendo revista de maneira crítica, havendo maior inclusão de manifestações populares e comunitárias para além dos poderes dominantes.
Essa mudança reflete debates sociológicos importantes: se o patrimônio é memória coletiva, ele não pode se restringir à memória de uma única classe social. Precisa contemplar a pluralidade da sociedade. Nota-se, portanto, que o patrimônio deve ser entendido como construção social em permanente disputa.
Patrimônio e modernidade
A modernidade, segundo Max Weber, é marcada pela racionalização da vida social. Isso também se reflete no patrimônio: criam-se leis, órgãos e procedimentos burocráticos para proteger bens históricos. Mas, ao mesmo tempo, essa formalização pode entrar em conflito com a dimensão simbólica e afetiva do patrimônio.
Já Karl Marx, ao analisar o capitalismo, mostra como a lógica da mercadoria pode ameaçar a preservação do patrimônio, transformando bens culturais em produtos de consumo turístico. Essa tensão entre valor cultural e valor econômico é central para a Sociologia do patrimônio.
Educação patrimonial
Dentro da Sociologia, surge a ideia de que a preservação só tem sentido se for acompanhada de educação patrimonial. Isso significa envolver a população, especialmente jovens e estudantes, no reconhecimento do valor do patrimônio.
Ao visitar museus, participar de festas populares ou estudar monumentos locais, como o Centro Histórico de Salvador ou o Pelourinho, os alunos não apenas conhecem o passado, mas refletem sobre o presente e desenvolvem consciência crítica sobre identidade, diversidade e cidadania.
Esse processo educativo, além de aproximar o estudante do patrimônio, é também uma forma de combater desigualdades sociais e culturais.
Patrimônio histórico no ENEM
Fique atento! O ENEM pode abordar o tema em diferentes contextos:
- Ciências Humanas: questões sobre cultura e memória social.
- Sociologia: análises do patrimônio como forma de identidade e como construção social.
- Atualidades: debates sobre preservação, diversidade cultural e turismo.
Conclusão
Do ponto de vista sociológico, o patrimônio histórico é mais do que uma herança do passado: é um processo social que envolve memória, identidade, diversidade e poder. Preservar o patrimônio significa decidir o que uma sociedade considera digno de ser lembrado e transmitido às próximas gerações.
Exemplos como Ouro Preto, o Círio de Nazaré, o Samba de Roda, a Capoeira e o Museu do Ipiranga mostram que falar sobre patrimônio não se trata apenas de preservar objetos e edifícios antigos, mas sobre as escolhas que fazemos hoje sobre quem somos e quem queremos ser.
Para os estudantes do Ensino Médio e candidatos ao ENEM, compreender esse conceito ajuda a relacionar temas como cultura, cidadania e desigualdade social, além de desenvolver uma visão crítica sobre a sociedade em que vivemos.
Teste seus conhecimentos com exercícios sobre patrimônio (com gabarito explicado).
Referências Bibliográficas
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
IANNI, Octavio. A Sociologia e o mundo moderno. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, São Paulo,v.1, n.1, p. 7-27, 1.sem. 1989.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Reginaldo Sant’Anna. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
TOMAZI, Nelson Dácio; ROSSI, Marco Antonio. Sociologia para o Ensino Médio. 5ª edição. São Paulo, SP: Saraiva, 2016
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. M. Irene de Q. F. Szmrecsányi. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Patrimônio histórico: um olhar sociológico sobre memória e identidade. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/patrimonio-historico-um-olhar-sociologico-sobre-memoria-e-identidade/. Acesso em: