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Nativismo Épico

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Português e Literatura

O nativismo épico é uma manifestação literária do século XVIII que surgiu no Brasil colonial. Trata-se de um movimento que, apesar de influenciado por modelos europeus, principalmente o épico de Camões, começa a valorizar os elementos da terra brasileira: seus cenários, povos indígenas e acontecimentos históricos locais.

O objetivo principal era exaltar o território colonial e inserir a identidade da colônia no modelo heroico e clássico das epopeias.

Principais autores do nativismo épico

Basílio da Gama

Basílio da Gama nasceu em 1741 na cidade mineira que hoje se chama Tiradentes. Estudou em colégios jesuítas e, mais tarde, foi para a Europa, onde conseguiu entrar na prestigiada Arcádia Romana, uma instituição literária da Itália. Ao retornar ao Brasil em 1767, acabou acusado de manter contato com os jesuítas, num momento em que a Coroa portuguesa perseguia essa ordem religiosa.

Levado a Lisboa para ser julgado, conseguiu escapar da prisão ao se aproximar do poderoso conde de Oeiras, o futuro Marquês de Pombal. Para agradá-lo, Basílio compôs obras que criticavam os jesuítas, sendo "O Uraguai" a mais importante.

O Uraguai

"O Uraguai" é um poema épico que foge à tradição clássica. Tem cinco cantos, com versos brancos (sem rima), e conta a história da guerra guaranítica, na região dos Sete Povos das Missões. A guerra foi um conflito real ocorrido nas Missões Jesuíticas entre portugueses, espanhóis, índios e padres jesuítas.

  • Canto I: Tropas portuguesas e espanholas se unem contra índios e jesuítas.
  • Canto II: Tenta-se uma negociação, mas a guerra estoura, e os índios são derrotados.
  • Canto III: Cacambo, líder indígena, é morto por ordem dos padres, que desejam colocar seu filho Baldeta no poder e casar com Lindóia, viúva de Cacambo.
  • Canto IV: Lindóia, recusando o casamento forçado, foge e se deixa picar por uma cobra venenosa. Seu irmão tenta salvá-la, mas é tarde demais.
  • Canto V: Os portugueses vencem e prendem os últimos inimigos. O poema termina com duras críticas à Companhia de Jesus.

Características marcantes:

  • Crítica à guerra: Ao contrário dos épicos tradicionais, a guerra não é glorificada. É mostrada como um ato cruel, onde os inocentes (os índios) sofrem.
  • Presença do indígena na literatura nacional: Os nativos aparecem como vítimas, enquanto os jesuítas são os vilões, acusados de manipulação e traição.
  • Lindóia: A morte trágica de Lindóia é um dos pontos altos do poema e inspira a literatura romântica que virá depois, principalmente na construção da figura da “índia heroica”.

Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindoia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo côa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindoia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.

Quadro Lindóia, elaborado por José Maria Medeiros, em 1882. O quadro mostra a indígena Lindóia, personagem do clássico O Uraguai, na cena de sua morte. A cena é idealizada e mostra a indígena em seu momento de morte, nua, em meio a uma floresta exeburante. A personagem tem um braço erguido e uma cobra próxima ao corpo.

MEDEIROS, José Maria. Lindóia. 1882.

Frei Santa Rita Durão

Santa Rita Durão nasceu em 1722, em Mariana (MG), e também estudou com os jesuítas. Mudou-se para Portugal, onde virou frei e professor de Teologia. Sua obra mais famosa, "Caramuru", é também uma epopeia, mas com tom mais tradicional.

Caramuru

"Caramuru" narra a história de Diogo Álvares Correia, um náufrago português que chega ao Brasil e é acolhido pelos índios. Ao disparar uma arma de fogo, os nativos acreditam que ele é um ser sobrenatural (um “homem-fogo”) e passam a respeitá-lo como um deus. O poema combina elementos históricos e lendários, criando quase uma mitologia brasileira.

A estrutura do poema é clássica: são dez cantos, escritos em oitava-rima e versos decassílabos, como na tradição camoniana. Durão mistura mitologia cristã e indígena para construir sua narrativa.

Episódio marcante: Moema

Um dos trechos mais famosos é a morte de Moema, uma índia apaixonada por Caramuru. Quando ele parte para a Europa com Paraguaçu, Moema tenta segui-lo a nado. Vendo-se rejeitada, mergulha em desespero e acaba morrendo afogada. Seu discurso de dor e revolta tornou-se símbolo do sofrimento amoroso e da representação trágica da mulher indígena.

Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo;
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas escumas desce ao fundo.
Mas na onda do mar, que, irado, freme,
Tornando a aparecer desde o profundo,
– Ah! Diogo cruel! – disse com mágoa, – e sem
mais vista ser, sorveu-se na água.

Quadro Moema, elaborado por Victor Meirelles. O quadro exibe a personagem Moema, da obra Caramuru, em sua cena final, deitada, sem vida, na praia. O quadro tem tons alaranjados e um estilo do romantismo brasileiro.

MEIRELLES, Victor. Moema. 1866.

A importância do nativismo épico

O nativismo épico foi uma forma de inserir o Brasil dentro do gênero literário mais prestigiado da época: a epopeia. Com Basílio da Gama e Santa Rita Durão, surgem os primeiros sinais de uma consciência nacional, que busca valorizar o território, o povo e os fatos históricos locais. Mesmo com forte influência europeia, as obras se distanciam do modelo clássico ao dar voz a personagens indígenas e criticar as ações coloniais e religiosas.

Além disso, essas obras, embora inseridas num contexto árcade, antecipam temas que vão ser centrais no Romantismo brasileiro, como o papel do indígena, o amor à pátria e a idealização do passado.

Estude mais com:

Arcadismo no Brasil

Romantismo no Brasil

Exercícios sobre o Arcadismo (com gabarito)

Indianismo

Referências Bibliográficas

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. São Paulo: Todavia, 2023.

Rodrigo Luis
Rodrigo Luis
Professor de Língua Portuguesa e Literatura formado pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando na área de Pedagogia (FE-USP). Atua, desde 2017, dentro da sala de aula e na produção de materiais didáticos.