🚀 Ferramentas de estudo por menos de R$1/dia

Cultura popular na Sociologia: entendendo suas manifestações e significados sociais

A cultura popular permite observar como grupos sociais constroem sentidos coletivos, elaboram identidades e resistem ou se adaptam às pressões das estruturas de poder. Mais do que manifestações artísticas, ela expressa práticas, valores e símbolos produzidos “de baixo para cima”, mas também atravessados por disputas de classe, gênero, etnia e geração.

Ela não é homogênea e representativa de toda uma nação, mas é fragmentada, diversa e contraditória: em alguns momentos atua como resistência; em outros, é apropriada ou até mesmo reforça exclusões e hierarquias.

Cultura popular designa práticas e valores criados por grupos sociais amplos, sobretudo fora dos círculos de poder e prestígio cultural.

Ela se distingue da cultura erudita, vinculada às elites, e da cultura de massa, ligada à produção industrial de conteúdo, mas mantém relações dinâmicas com ambas. Uma dança popular pode ser incorporada ao repertório erudito ou transformada em produto comercial. Por outro lado, um programa comercial de TV pode nascer inspirado em tradições populares.

Neste conteúdo você encontra:

Características da cultura popular

  • Coletividade: surge da prática de comunidades, não da autoria individual.
  • Transmissão informal: passa oralmente ou por imitação, gerando preservação e variação.
  • Dinamismo: reinventa-se conforme as condições sociais.
  • Identidade: funciona como marcador de pertencimento coletivo.
  • Disputa: é lugar de apropriação, resistência e, muitas vezes, reprodução de desigualdades.

Cultura popular, poder e conflito

A cultura popular sempre esteve ligada às relações de poder. Em sociedades desiguais, pode ser controlada pelo Estado e pelas elites, que a domesticam ou a transformam em símbolo nacional. Ao mesmo tempo, pode se reinventar como crítica e contestação.

No Brasil, um exemplo é o modernismo dos anos 1920, que buscou inspiração em práticas populares para construir uma ideia de identidade nacional, mas filtrada pelas elites intelectuais. Nos anos 1960, os Centros Populares de Cultura (CPCs) da UNE buscaram dar voz às classes populares, mas sempre enfrentando a tensão entre “representar” o povo e permitir que ele mesmo se expressasse.

Durante a Ditadura Militar, a censura controlou produções culturais, ao mesmo tempo em que políticas oficiais de cultura incorporavam seletivamente práticas populares.

capa do livro Macunaíma, de Mario de Andrade

Folclore e tradição: conceitos em disputa

Durante muito tempo, cultura popular foi confundida com “folclore”, entendido como conjunto de tradições antigas e imutáveis. Hoje, esse conceito é visto como controverso, pois frequentemente serviu para cristalizar práticas e classificá-las como “atrasadas” ou “típicas” de um povo, desconsiderando sua vitalidade e transformação.

Na prática, o termo “folclore” foi politicamente mobilizado em diferentes momentos: tanto para exaltar a “autenticidade nacional” quanto para reduzir manifestações populares à condição de curiosidade turística. A sociologia contemporânea prefere compreender essas práticas em sua historicidade e nos conflitos que as atravessam.

Cultura popular e cultura de massa

Com a modernidade, a cultura de massa surgiu como fenômeno ligado à indústria cultural capitalista e ao consumo em larga escala. Isso gerou tensões: de um lado, a mercantilização de tradições populares; de outro, a capacidade de reinvenção do popular dentro da lógica da mídia.

O funk carioca e o rap paulista, por exemplo, nascem das periferias como expressão crítica e identitária, mas também se transformam em produtos amplamente consumidos, com versões que ora preservam a denúncia social, ora reforçam estereótipos.

O folhetim literário, no século XIX, é outro exemplo que nasceu como produto de massa, mas dialogava com expectativas populares, incorporando seus valores e imaginários.

Resistência e reprodução

A cultura popular é muitas vezes descrita como resistência. Mas a sociologia lembra que ela também pode reproduzir preconceitos e hierarquias. Certas narrativas ou práticas populares podem reforçar estigmas de gênero, sexualidade ou etnia, assim como podem perpetuar desigualdades dentro dos próprios grupos sociais que a produzem.

Essa ambiguidade mostra que não se trata de um campo “puro” de contestação, mas de um espaço em que convivem resistências, acomodações e até legitimações de exclusões.

Cultura popular no Brasil: diversidade e disputas

No Brasil, a cultura popular foi moldada pela colonização, pela escravidão e pela diversidade étnica. Manifestações como o candomblé, a capoeira, o samba e o cordel não nasceram como símbolos nacionais, mas em contextos locais, muitas vezes de perseguição ou marginalização.

Com o tempo, algumas dessas práticas foram incorporadas ao repertório oficial. O samba, por exemplo, passou de criminalizado a símbolo da identidade nacional. O carnaval, inicialmente festa popular de rua, foi institucionalizado e transformado em vitrine turística, mas sem perder seu potencial crítico nos enredos das escolas de samba.

Essa trajetória evidencia a pluralidade regional e os conflitos de apropriação: o que no Nordeste pode ter forma de cordel, no Sul pode ser fandango, e no Norte pode estar nos bois-bumbás de Parintins. Nenhum desses exemplos esgota o que é a “cultura popular brasileira”; todos revelam sua diversidade fragmentada.

Desfiles de escolas de samba na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro
Desfile de carnaval na Sapucaí no Carnaval de 2015. (Gabriel Santos/Agência Brasil) (CC BY-SA 3.0)

Exclusão, resistência e políticas públicas

O Estado brasileiro, em diferentes momentos, tentou domesticar ou reprimir práticas populares. O mito da “democracia racial” escondeu o racismo estrutural que marginalizou manifestações de origem africana.

Já nos anos 2000, políticas culturais buscavam valorizar essa diversidade, reconhecendo como patrimônio cultural práticas antes perseguidas.

O desafio permanece: ao mesmo tempo em que a cultura popular é celebrada como identidade nacional, seus agentes muitas vezes continuam à margem social, sem acesso a direitos ou reconhecimento efetivo.

mulher negra usando traje tradicional do candomblé
Mulher negra usando um traje tradicional do Candomblé. (Trabalho próprio/Nahtanom) (CC BY-SA 4.0)

Cultura popular contemporânea

Hoje, a cultura popular no Brasil se reinventa em diferentes frentes:

  • Juventude periférica: no rap, no funk e nos slams, unindo crítica social e estética própria.
  • Festas regionais: como Parintins, São João e congadas, que combinam tradição e reinvenção.
  • Cultura digital: memes e produções colaborativas nas redes sociais, que atualizam a oralidade popular.
  • Resistência cultural: movimentos que valorizam a estética negra, indígena e periférica, questionando padrões hegemônicos.

Essas expressões revelam a vitalidade da cultura popular, mas também suas contradições: ora resistem, ora são absorvidas pelo mercado, ora reproduzem desigualdades.

Conclusão

A cultura popular é um campo múltiplo, fragmentado e contraditório. Ela nasce da coletividade e do cotidiano, mas é atravessada por disputas de poder, apropriações estatais, mercantilização e reinvenções constantes.

No Brasil, longe de uma identidade homogênea, a cultura popular é plural, regional e conflituosa, marcada por exclusões históricas e por potências criativas. Ela pode ser resistência, mas também pode reproduzir preconceitos; pode ser absorvida pelo mercado, mas também se reinventar em novas formas críticas.

Compreendê-la é compreender a sociedade brasileira em sua diversidade, suas desigualdades e suas possibilidades de transformação.

Leia também:

Cultura de Massa: entenda o que é (com exemplos)

Indústria Cultural: entenda o que é, suas características e exemplos

Referências Bibliográficas

ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 1980.

BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1981.

TOMAZI, Nelson Dácio; ROSSI, Lúcia. Sociologia para o Ensino Médio. São Paulo: Saraiva, 2016.