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A Filosofia de Karl Marx

Karl Marx (1818–1883) é um dos filósofos mais influentes da modernidade. Sua obra ultrapassa os limites da filosofia, impactando a sociologia, a ciência política, a economia e até a cultura popular. Hoje, jovens podem se deparar com Marx em camisetas, memes, músicas de rap ou podcasts. Mas, por trás desses símbolos, existe uma reflexão rigorosa sobre a sociedade, suas contradições e possibilidades de transformação.

Foto de Karl Marx de meio corpo
Fotografia colorida digitalmente de Karl Marx (1875). Author Aristosteles (CC-BY-4.0)

Este conteúdo apresenta os principais aspectos de sua filosofia, situando-a no contexto histórico do século XIX, explorando obras fundamentais e conceitos centrais como materialismo histórico, ideologia e alienação. Ao final, veremos como Marx foi recebido e reinterpretado em correntes filosóficas posteriores, como a Escola de Frankfurt, a fenomenologia existencialista e o ecossocialismo contemporâneo, permanecendo influente até os dias de hoje.

Neste conteúdo você encontra:

Marx, Hegel e Feuerbach: do idealismo ao materialismo

O jovem Marx formou-se em meio ao movimento filosófico conhecido como idealismo alemão, dominado por figuras como Kant e Hegel. Para Hegel, a história era a manifestação da Ideia Absoluta: tudo que ocorre no mundo seria expressão da evolução da razão, de ideias abstratas.

Marx reconheceu o valor da dialética hegeliana (movimento constante de contradição e superação), mas criticou seu caráter idealista. Em A Ideologia Alemã, escreve: “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.” Ou seja, não são as ideias que movem o mundo, mas as condições materiais de existência.

Entre Hegel e Marx aparece Ludwig Feuerbach, filósofo materialista que criticou a religião como projeção das necessidades humanas (ex. o homem criou Deus, e não vice-versa). Marx concordou, mas disse que Feuerbach permaneceu num materialismo contemplativo, incapaz de perceber como as relações históricas e sociais moldam os homens.

Assim, Marx funde a dialética de Hegel com o materialismo de Feuerbach, inaugurando um materialismo dialético, orientado não para contemplar, mas para transformar a realidade. Seu objetivo fica explícito em sua famosa 11ª Tese sobre Feuerbach: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”.

O contexto histórico do século XIX

Uma cena fluvial: Rio Monongahela, Pittsburgh, Pensilvânia. Mostra o navio a vapor "General Knox", operações no cais, uma ponte de superestrutura de aço e inúmeras chaminés. (CC0 1.0 Universal)

O pensamento de Marx surge durante a Revolução Industrial, quando fábricas substituíam oficinas e o capitalismo se consolidava. Jornadas de 14 horas, trabalho infantil e péssimas condições sanitárias marcavam a vida da classe trabalhadora.

Além disso, no século XIX ganhava força o movimento filosófico chamado positivismo, que valorizava a utilidade do método científico em detrimento da metafísica filosófica tradicional, como aquela de Hegel. Marx dialogou com essas correntes, mas superou suas limitações ao construir uma filosofia crítica, voltada à transformação social.

O jovem Marx e os Manuscritos de 1844

Antes de elaborar o materialismo histórico, Marx escreveu os Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. Neles, apresentou a noção de alienação: no capitalismo, o trabalhador perde o controle sobre o produto de seu trabalho, sobre o processo produtivo e sobre si mesmo.

Esse diagnóstico pode ser ilustrado com exemplos atuais:

  • O programador que cria um aplicativo por ordem de uma empresa, e depois vê sua invenção usada para vigilância ou manipulação política.
  • O youtuber que, para agradar ao algoritmo e ter mais visualizações, precisa criar conteúdos diários, perdendo a sua autonomia criativa.
  • O operário que fabrica um telefone celular, mas não faz ideia de como ele realmente funciona ou nem mesmo possui recursos para adquiri-lo.

Esses exemplos mostram como a alienação descrita pelo jovem Marx continua atual.

Conceitos fundamentais

Ideologia

A ideologia é o conjunto de ideias que legitima a dominação de classe.

Exemplos atuais:

  • publicidade - anúncios que associam felicidade a carros ou celulares ocultam a exploração por trás da produção;
  • discurso do empreendedorismo - motoristas de app são chamados de “donos de si mesmos”, mas estão submetidos a algoritmos e condições impostas pelas empresas.

Alienação

A alienação aparece quando o trabalhador perde o controle sobre o que produz.

Exemplos:

  • youtubers que precisam seguir tendências para manter renda, mesmo contra sua vontade criativa;
  • advogados corporativos que passam a defender empresas que exploram consumidores, distanciando-se de seus valores pessoais;
  • programadores que escrevem apenas um pequeno elemento de um grande sistema do qual não têm controle algum.

A alienação não é apenas econômica, mas existencial: os homens deixam de se reconhecer no que produzem. O seu produto não mais reflete a sua criatividade e vontade.

O materialismo histórico

O grande salto teórico ocorre na obra A Ideologia Alemã (1846), quando Marx e Engels formulam o conceito de materialismo histórico: a história é movida pelas condições materiais de produção e pela luta de classes (veja as definições no glossário abaixo).

Ele distingue duas esferas:

  • base econômica (ou infraestrutura) - modo de produção (forças produtivas + relações de produção, ou seja trabalhador e tecnologia + trabalho assalariado)
  • superestrutura - instituições políticas, jurídicas, religiosas, culturais.

Exemplo prático: no capitalismo, instituições como o Estado e o Direito servem para garantir a propriedade privada e a valorização do capital.

Obras fundamentais de Marx

A Ideologia Alemã

Marx e Engels mostram que a vida social determina a consciência. É como o desejo de jovens de se tornarem influenciadores digitais: não nasce do nada, mas de uma economia que valoriza visibilidade e consumo. O mesmo acontece quando desejamos comprar um tênis ou um celular apenas pelo status que ele nos garante na sociedade, mesmo sem uma necessidade prática.

Teses sobre Feuerbach

Na famosa Tese XI, Marx afirma: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo; o que importa é transformá-lo.” Pense nas mudanças climáticas: não basta reconhecê-las e interpretá-las, é preciso agir politicamente para alterar padrões de produção e consumo a fim de preservar o planeta para gerações futuras.

O Capital

Uma cópia inscrita de Das Kapital, de Karl Marx a Edward Spencer Beesly
Uma cópia inscrita de Das Kapital, de Karl Marx a Edward Spencer Beesly. Author JamesRamen (CC-BY-3.0)

A principal obra de Marx trata da estrutura do capitalismo, explorando conceitos como:

  • mais-valia - exploração do trabalho assalariado. Ex.: o motorista de aplicativo que recebe uma fração do valor pago pelo cliente, enquanto a empresa retém o restante.
  • fetichismo da mercadoria - um smartphone parece um objeto neutro, mas esconde minas de lítio na África, fábricas na Ásia e monopólios no Ocidente.
  • crises - a lógica de expansão infinita gera colapsos periódicos, como a crise financeira de 2008.

O 18 Brumário de Luís Bonaparte

Obra em que Marx analisa na prática a sua tese sobre materialismo histórico, através da ascensão ao poder do sobrinho de Napoleão Bonaparte, na França. Contém a famosa citação de que a histórica se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa (ou seja, uma repetição mal feita). Isso ajuda a compreender a ascensão de líderes populistas atuais como o resultado de crises sociais, não apenas de escolhas individuais.

A Guerra Civil na França

Obra que trata da Comuna de Paris (1871), o primeiro governo operário da história. Hoje, experiências de cooperativas digitais e movimentos de democracia direta ecoam essa tentativa de autogoverno.

A influência de Marx na filosofia

Escola de Frankfurt

No século XX, pensadores como Adorno, Horkheimer e Marcuse renovaram o marxismo, unindo-o à psicanálise de Freud. Criaram o conceito de indústria cultural, que explica como filmes, músicas e séries podem servir para reproduzir padrões de consumo e submissão. Pense em grandes franquias como Marvel ou Disney: divertem, mas também reforçam modelos de comportamento e estimulam o consumo.

Marcuse, nos anos 1960, tornou-se referência da contracultura e dos movimentos estudantis, influenciando protestos contra a Guerra do Vietnã e a favor dos direitos civis. Sua crítica à “sociedade unidimensional” dialoga até hoje com quem questiona a homogeneização cultural promovida pelas plataformas digitais.

Fenomenologia e existencialismo

Jean-Paul Sartre, em Crítica da Razão Dialética, buscou unir liberdade existencial e estrutura material. Seu exemplo do “camarada militante” mostra que mesmo em situações de opressão, a ação coletiva pode produzir liberdade.

Maurice Merleau-Ponty, em As Aventuras da Dialética, alertou contra o risco de dogmatizar o marxismo, propondo um uso aberto da dialética.

Hannah Arendt, em A Condição Humana, dialogou criticamente com Marx. Para ela, Marx reduziu a política ao trabalho, enquanto a verdadeira política seria o espaço da ação plural. Essa crítica mostra o contraste entre o foco econômico de Marx e o foco político de Arendt.

Círculo de Viena e Karl Popper

Enquanto isso, o Círculo de Viena (que incluía ainda Richard von Mises) e Karl Popper rejeitaram o marxismo como ciência, por considerarem suas teses não verificáveis. Popper classificou-o, juntamente da psicanálise de Freud, como pseudociência, em contraste com o positivismo lógico, que buscava leis universais e verificáveis.

Ecossocialismo

Autores como John Bellamy Foster, Michael Löwy e Kohei Saito resgataram Marx no atual debate ambiental. O conceito de “rasgo metabólico”, por exemplo, explora a contradição entre a necessidade infinita do capitalismo de produzir lucro e os limites naturais finitos do nosso planeta.

Manifestante segurando uma faixa com a mensagem "Mudança de sistema, não mudança climática". Author Ivan Radic (CC-BY-2.0)

Conclusão

A filosofia de Marx nasce da crítica ao idealismo e ao materialismo contemplativo, formulando um materialismo histórico que interpreta a sociedade a partir de suas condições concretas e da luta de classes.

Obras como A Ideologia Alemã, Teses sobre Feuerbach e O Capital permanecem fundamentais para entender conceitos como ideologia, alienação e fetichismo da mercadoria. Sua influência se estende a pensadores como Jean-Paul Sartre e Hannah Arendt, à Escola de Frankfurt e às discussões atuais sobre ecologia.

Com exemplos que vão da uberização do trabalho à indústria cultural, das mudanças climáticas à cultura pop, fica claro que Marx não é apenas um pensador do século XIX. Sua filosofia segue como ferramenta poderosa para interpretar e transformar o mundo contemporâneo.

Glossário dos principais temas tratados neste conteúdo

Dialética: método de pensamento que entende a realidade como um movimento constante de contradição e superação. Em Hegel, ela é idealista; em Marx, é materialista, ligada às condições concretas de vida.

Condições materiais de produção: São os recursos concretos que permitem que as pessoas produzam o que precisam para viver, como ferramentas, tecnologia, matérias-primas, energia e a própria sobrevivência dos trabalhadores.

Luta de classes: Conflito entre grupos sociais que têm interesses diferentes em relação à riqueza e ao poder. Em geral, os grupos dividem-se entre exploradores e explorados.

Materialismo histórico: concepção segundo a qual a história é movida pelas condições materiais de produção (definição acima) e pela luta de classes (definição acima), e não apenas pelas ideias.

Materialismo dialético: união da dialética hegeliana com o materialismo, formulada por Marx para compreender a realidade como dinâmica e passível de transformação.

Alienação: situação em que o trabalhador perde o controle sobre o produto de seu trabalho, sobre o processo produtivo e sobre si mesmo, vivendo separado de sua essência humana.

Mais-valia: diferença entre o valor produzido pelo trabalhador e o valor que ele recebe em salário; é a base da exploração capitalista.

Fetichismo da mercadoria: processo pelo qual as relações sociais aparecem como relações entre coisas; por exemplo, um celular parece só um objeto, mas oculta a exploração e as relações humanas por trás de sua produção.

Ideologia: conjunto de ideias, valores e crenças que legitimam e naturalizam as relações de dominação em uma sociedade.

Superestrutura: instituições políticas, jurídicas, religiosas e culturais que se sustentam sobre a base econômica (infraestrutura) e contribuem para legitimá-la.

Base econômica (ou infraestrutura): modo de produção de uma sociedade, formado pelas forças produtivas (tecnologia, trabalho) e pelas relações de produção (como a relação entre patrões e empregados).

Práxis: ação prática e consciente voltada à transformação da realidade, síntese entre teoria e prática.

Saiba mais sobre o que é alienação do trabalho para Marx e Filosofia Contemporânea.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Metafísica. Traduções diversas.

FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

GORENDER, Jacob. O nascimento do materialismo histórico (in A Ideologia Alemã). São Paulo: Martins Fontes, 1986.

GRESPAN, Jorge. Marx: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2021.

LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à Filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

LÖWY, Michael. O que é ecossocialismo. São Paulo: Cortez, 2014.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2011.

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

SAITO, Kohei. O ecossocialismo de Karl Marx. São Paulo: Boitempo, 2021.